Umbanda é religião afrobrasileira!

Já ouvi de muitas pessoas que entender a umbanda como religião brasileira é deixar de depender de outros cultos para contar nossa história. Abdicar do “afro” aparentemente nos afasta de comparações com os candomblés impedindo que esses sejam réguas para medir a autenticidade do culto umbandista à Orixá e do uso de indumentárias afro-brasileiras. Marcar a “brasileira” nos diferencia do kardecismo, sendo esse uma doutrina francesa que nada tem de elementos populares. Essa definição propõe ainda agregar uma herança indígena à religião, uma vez que os caboclos são figuras centrais na umbanda e que o uso de tabaco e ervas para banho e defumação é extenso na nossa ritualística.

Ser brasileira então é não voltar para lugar nenhum que não seja o projeto de nação Brasil que tem em sua população a constante mescla entre elementos africanos, europeus e indígenas. Essa escolha, porém, é muito problemática uma vez que recicla o mito da democracia racial já tão criticada pelas ciências humanas. Faz parecer que há um acordo entre esses povos e que eles ocupam posições simétricas no plano nacional. Isso apaga o genocídio e etnocídio dos europeus contra indígenas e africanos e dificulta enxergar que o Estado Nação, pelo menos da maneira como se manifestou em toda história brasileira até agora, é um empreendimento colonial. E quando prestamos atenção na narrativa hegemônica de fundação da umbanda percebemos o quanto isso é simbólico uma vez que se conta que Zélio de Morais e o Caboclo das Setes Encruzilhadas romperam com o kardecismo num 15 de novembro, data da proclamação da república.

Em contraponto a esse pensamento, recentemente tem ganhado visibilidade a discussão que propõe classificar a umbanda como religião afro-brasileira de territorialidade Bantu, como é o candomblé Angola, à luz de pesquisas que mostram que a umbanda compartilha de muitos elementos centro-africanos em sua estrutura ritual. Propondo esse debate recebi de volta a preocupação de que se classificar “afro-brasileira” seria, como disse antes, abdicar da própria história e se medir a partir da régua do outro. Muito pelo contrário é. Se admitir fruto da diáspora Bantu permite fugir de uma vez por todas da dependência do kardecismo e do candomblé para contar nossa história pois dessa forma a umbanda não é resultado da mescla de elementos candomblecistas e kardecistas quando na verdade é contemporânea à elas, tendo origens ancestrais e ganhado corpo ao mesmo tempo em que essas outras ganharam.

Não tem porque termos medo de admitir a umbanda como afro-brasileira porque isso na verdade nos alça como contemporânea. Esse medo é sintoma de uma sociedade racista, uma vez que o título de religião “brasileira” não só se associa a democracia racial enquanto projeto nacional, mas também simula que as três origens ocupam o mesmo lugar na narrativa hegemônica de umbanda quando na verdade existe um esforço para que o kardecismo ganhe dominância filosófica no culto. Ser brasileira então é o contrário do argumento central, não nos deixa a par do três, mas na verdade nos associa constantemente ao espiritismo e impede que nos relacionemos com os outros dois.

Na imagem, um recorte do dicionário kimbundu-português de Assis Júnior.

Que nos lembremos incessantemente de Tata Tancredo quando ele diz:

“A umbanda não tem traços africanos, ela é africana”.