O Mato Sagrado de Pai José Cabinda

Em agosto de 1854, o Jornal do Comércio (RJ) noticiou sobre uma insurreição de escravizados que envolvia um grupo religioso liderado por Pai José Cabinda⁵. Entre a escrita racista do jornalista podemos perceber algumas poucas coisas que podem ser relevantes para traçar heranças Bantu nas umbandas. A coluna fala sobre o ambiente em que pessoas livres e não-livres se reuniam para falar de provavelmente muitas coisas mas uma delas (a noticiada) era a liberdade. Esse local era um tipo de templo⁶ onde se fazia uma reunião religiosa a fim de, nesse caso, iniciar um novo membro e eu gostaria de chamar atenção para os objetos que haviam no altar e os nomes dos membros ilustres.

[…] 𝑎𝑙𝑖 𝑐𝑜𝑙𝑜𝑐𝑎 𝑐𝑜𝑚 𝑡𝑜𝑑𝑜 𝑟𝑒𝑠𝑝𝑒𝑖𝑡𝑜 𝑢𝑚𝑎 𝑙𝑢𝑧, 𝑢𝑚𝑎 𝑔𝑎𝑟𝑟𝑎𝑓𝑎 𝑑𝑒 𝑎𝑔𝑢𝑎𝑟𝑑𝑒𝑛𝑡𝑒, 𝑢𝑚𝑎 𝑡𝑖𝑔𝑒𝑙𝑎 𝑐𝑜𝑚 𝑑𝑖𝑣𝑒𝑟𝑠𝑎𝑠 𝑟𝑎𝑖́𝑧𝑒𝑠, 𝑢𝑚𝑎 𝑓𝑖𝑔𝑢𝑟𝑎 𝑑𝑒 𝑝𝑎𝑢, 𝑎 𝑚𝑒𝑖𝑜 𝑐𝑜𝑟𝑝𝑜, 𝑠𝑒𝑚 𝑏𝑟𝑎𝑐̧𝑜𝑠 […] 𝑒 𝑜𝑢𝑡𝑟𝑎 𝑑𝑒 𝑐𝑒𝑟𝑎 𝑐𝑜𝑚 […] 𝑜 𝑢𝑚𝑏𝑖𝑔𝑜 𝑓𝑜𝑟𝑚𝑎𝑑𝑜 𝑝𝑜𝑟 𝑢𝑚 𝑝𝑒𝑑𝑎𝑐̧𝑜 𝑑𝑒 𝑣𝑖𝑑𝑟𝑜. 𝐶𝑜𝑙𝑜𝑐𝑎𝑚 𝑡𝑎𝑚𝑏𝑒́𝑚 𝑎𝑙𝑖 𝑢𝑚𝑎 𝑟𝑎𝑖𝑧 𝑔𝑟𝑎𝑛𝑑𝑒, 𝑎 𝑞𝑢𝑒 𝑑𝑎̃𝑜 𝑜 𝑛𝑜𝑚𝑒 𝑑𝑒 “𝐺𝑢𝑖𝑛𝑒́ 𝑒𝑛𝑐𝑎𝑛𝑡𝑎𝑑𝑜”, 𝑢𝑚 𝑐𝑜𝑟𝑛𝑜 𝑑𝑒 𝑏𝑜𝑖, 𝑢𝑚 𝑝𝑎𝑡𝑢𝑎́ 𝑒𝑛𝑣𝑜𝑙𝑡𝑜 𝑑𝑒 𝑐𝑎𝑠𝑐𝑎 𝑑𝑒 𝑙𝑎𝑔𝑎𝑟𝑡𝑜, 𝑑𝑜𝑖𝑠 𝑆𝑎𝑛𝑡𝑜 𝐴𝑛𝑡𝑜̂𝑛𝑖𝑜 𝑑𝑒 𝑛𝑜́ 𝑑𝑒 𝑝𝑖𝑛ℎ𝑜 […]” (𝐽𝑜𝑟𝑛𝑎𝑙 𝑑𝑜 𝐶𝑜𝑚𝑒́𝑟𝑐𝑖𝑜 𝑅𝐽 1854).

𝑂 𝑔𝑟𝑎̃𝑜-𝑚𝑒𝑠𝑡𝑟𝑒 𝑑𝑎 𝑜𝑟𝑑𝑒𝑚 𝑒́ 𝑜 𝑐𝑒́𝑙𝑒𝑏𝑟𝑒 𝐽𝑜𝑠𝑒́ 𝐶𝑎𝑏𝑖𝑛𝑑𝑎, 𝑜𝑠 𝑖𝑟𝑚𝑎̃𝑜𝑠 𝑛𝑎̃𝑜 𝑜 𝑐𝑜𝑛ℎ𝑒𝑐𝑒𝑚 𝑠𝑒𝑛𝑎̃𝑜 𝑝𝑒𝑙𝑜 𝑛𝑜𝑚𝑒 “𝑃𝑎𝑖 𝐺𝑎𝑣𝑖𝑎̃𝑜” […]. 𝐻𝑎́ 𝑛𝑎 𝑜𝑟𝑑𝑒𝑚 𝑑𝑖𝑣𝑒𝑟𝑠𝑜𝑠 𝑔𝑟𝑎𝑢𝑠. 𝑂𝑠 𝑖𝑟𝑚𝑎̃𝑜𝑠 𝑞𝑢𝑒 𝑐ℎ𝑒𝑔𝑎𝑚 𝑎𝑜 𝑔𝑟𝑎𝑢 𝑑𝑒 𝑒𝑛𝑐𝑎𝑛𝑡𝑎𝑑𝑜𝑠 𝑡𝑜𝑚𝑎𝑚 𝑢𝑚 𝑛𝑜𝑚𝑒 𝑞𝑢𝑒 𝑎 𝑒𝑙𝑒𝑠 𝑑𝑎́ 𝑜 𝑔𝑟𝑎̃𝑜-𝑚𝑒𝑠𝑡𝑟𝑒. 𝑂𝑠 𝑛𝑜𝑚𝑒𝑠 𝑑𝑜𝑠 𝑒𝑛𝑐𝑎𝑛𝑡𝑎𝑑𝑜𝑠 𝑠𝑎̃𝑜 𝑒𝑛𝑡𝑟𝑒 𝑜𝑢𝑡𝑟𝑜𝑠 𝑜𝑠 𝑠𝑒𝑔𝑢𝑖𝑛𝑡𝑒𝑠: “𝐺𝑟𝑎𝑛𝑑𝑒 𝐴𝑝𝑎𝑔𝑎-𝐹𝑜𝑔𝑜”, “𝑅𝑜𝑚𝑝𝑒-𝐹𝑒𝑟𝑟𝑜”, “𝐺𝑎𝑣𝑖𝑎̃𝑜𝑧𝑖𝑛ℎ𝑜”, “𝑄𝑢𝑖𝑛𝑢𝑎𝑛𝑜”, “𝑆𝑒𝑡𝑒 𝑃𝑜𝑚𝑏𝑎𝑠”, “𝑄𝑢𝑎𝑡𝑟𝑜 𝐶𝑎𝑛𝑡𝑜𝑠” 𝑒𝑡𝑐. (𝐽𝑜𝑟𝑛𝑎𝑙 𝑑𝑜 𝐶𝑜𝑚𝑒́𝑟𝑐𝑖𝑜 𝑅𝐽 1854)

Os elementos sagrados se parecem com as ferramentas usados pelo feiticeiro Bantu da última foto. Um acúmulo de instrumentos num só lugar e sendo eles corno de boi, uma série de ervas e raízes e figuras feitas em madeira e cera. As estatuetas são particularmente interessantes pois são elementos fortemente centro-africanos: o Santo Antônio de nó de pinho e uma figura com o umbigo aberto selado com um pedaço de vidro. Esse segundo parecendo muito um Nkisi (não as divindades) que é uma espécie de amuleto que para ser feito envolve um tipo de especialidade mágica capaz de ter algum efeito de acordo com sua criação, seus fundamentos geralmente são colocados na parte da barriga/umbigo e selados com algum material.

Os nomes, por sua vez, já se parecem com algo umbandista pois lembram os nomes das entidades que chegam nas giras. Abro aqui uma observação sobre o fato de José Cabinda ser conhecido também como “Pai Gavião”. Na coluna relata-se que o sacerdote entra num transe, não seria estranho se Pai Gavião fosse na verdade um espírito que se manifestasse em José Cabinda e esses nomes dos “encantados” fossem das suas respectivas entidades. De toda forma, como não há como provar isso, me contento em chamar atenção ao fato de que não seria nada estranho encontrar alguma entidade de umbanda hoje com quaisquer desses nomes. Aqui temos então um relato de uma manifestação religiosa que parece ter base Bantu com nomes que lembram os guias de umbanda.

Por Lucena Fiorotti