Macumbas Carioca

Macumbas Cariocas

Macumba é um termo genérico que foi utilizado no início do século XX para designar uma série de manifestações religiosas na cidade do Rio de Janeiro. Não existia exatamente uma ritualística comum entre todas elas, apesar de se assemelharem muito, além da manifestação espiritual para uma série de coisas. A origem do nome pode vir de dois lugares. Primeiro, de um instrumento musical parecido com um reco-reco ao qual se chamava macumba e que se tocava nessas sessões. Segundo, do kimbundo, onde cumba é um termo usado para falar de pessoas muito importantes e ma sendo um prefixo de coletividade. Macumba, portanto, significa “reunião dos importantes” em tradução livre.

Os jornais cariocas na primeira metade do século XX estavam lotados de relatos sobre as macumbas, desde séries de colunas até denúncias ou classificados. O famoso João do Rio protagonizou a série “O Falso Espiritismo” na Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro em 1908. O objetivo dessa coluna era denunciar o “baixo espiritismo”, todas aquelas casas que se chamavam espíritas mas não seguiam Kardec. Esse termo, evidentemente, também carrega racismo, sendo que muitas vezes esse baixo espiritismo era uma macumba. Mas em uma dessas reportagens, temos manifestações que podemos realmente relacionar com entidades de umbanda. Numa disposição que se parece muito mais com uma casa espírita — com uma série de falas introdutórias e uma mesa onde os médiuns se sentam para dar passagem aos espíritos — há, por meio de duas médiuns, manifestações dos “feiticeiro Dias” e “Pai João”. O primeiro, logo após o tranco da incorporação, solta uma grande gargalhada e se identifica. O dirigente então o saúda e pede para resolver uma questão de segurança espiritual no portão da casa. Feiticeiro Dias apresenta elementos que lembram Exu. Pai João, por sua vez, é um homem africano, que fala um português fortemente caracterizado por seu idioma original e ainda forma frases cantadas. Congrega elementos de um preto-velho. A situação, porém, não é em um terreiro, apesar disso é em um “baixo espiritismo”. Importante dizer que essa coluna é publicada em 25 de janeiro de 1908, 9 meses antes de Zélio incorporar o Caboclo das Sete Encruzilhadas/Padre Gabriel Malagrida.

Em 4 de setembro de 1923 (Jornal Correio da Manhã) e 23 de abril de 1924 (Jornal A Noite), são publicadas reportagens sobre o terreiro de macumba do Pai Quintinho, ambas sobre festas para São Jorge. A primeira coluna se propõe a ser explicativa e investigativa sobre o ritual que acontecia naquela casa e se tem registros de cantos com o nome “umbanda”, de manifestações de espíritos para consulta, do nome do chefe ser “pai de santo” e ainda uma gravura de um altar que parece um gongá e outra retratando uma defumação com algo que parece um turíbulo ou um vaso. Canta-se para o “general de umbanda”. Na segunda reportagem, fala-se da “macumba” do Pai Quintinho e não se chama aquilo de umbanda, apesar de que os pontos cantados também referenciarem umbanda. A primeira reportagem diz ainda que a “linha de umbanda” é uma religião dos povos de Congo e Angola. Em 1924, no Jornal do Brasil, Benjamim Costallat publica “Na noite do subúrbio” que procura falar sobre as macumbas tocadas no Rio de Janeiro e fala sobre o terreiro do Caboclo Curador que manifestava para curar as pessoas por meio das baforadas do seu charuto. Nos pontos dessa casa, novamente se vê cantando para “general de umbanda” e para os “caboclos do povo de umbanda”. Em 1916, há um classificado sobre uma “casa de umbanda”, em 1913 uma reportagem sobre “os loucos” que tocavam macumba e se diziam pertencer à “lei de umbanda”. O Jornal do Brasil em 1928 fez duas reportagens sobre “magia negra” onde em uma se denuncia um culto com muitos símbolos e apetrechos onde os cantos falam de “São Jorge, Rei de Umbanda” e a outra sobre uma “macumba improvisada” na casa de uma pessoa que ao ser questionada sobre o nome da sua prática diz que é “da religião de umbanda”. A maioria dessas macumbas cantava sobre umbanda, os caboclos eram de umbanda, o povo era de umbanda, São Jorge era general e rei de umbanda. Em 7 de maio de 1924, Leal de Souza — o mesmo que publica em 1932 “O Espiritismo, a Magia e as Sete Linhas de Umbanda” (livro que fundamenta os ritos de Zélio de Morais) — visita pela primeira vez o Centro Espírita Nossa Senhora da Piedade (fundado por Zélio e Seu Sete Encruzilhadas) e fala que aquilo é um “centro espírita”. Relata-se uma sessão de mesa, uma desobsessão, não se fala de caboclos ou pretos-velhos e nem aparece a palavra “umbanda” ou “macumba”.