Isso non ecziste! Apesar que evocar Quevedo para confirmar é arriscado, não tivemos uma boa experiência com padres desencarnados na Umbanda. A acidez no humor será recorrente e proposital, do contrário alguns assuntos abordados embrulharão nossos estômagos. Porém, antes de alongarmos a prosa vale pontuar que discutirei temas de interesse dos umbandistas à luz do meu lugar de vivência. Logo, se sou da tradição Omolokô, não importa a questão; é desse lugar que falarei sempre!
Voltando à cor da Umbanda, o “branco” aqui de longe é um problema só de cor ou adjetivo, mas é mesmo projeto de gente, e das bem mal intencionadas. Pense! Ao que se deve uma Umbanda adjetivada como branca? Qual a cor da pele do Caboclo e do Preto-velho? Vermelha? Preta?
Branca, não é!
A matriz, raiz da Umbanda notadamente está entre o encontro das práticas espirituais ancestrais do povo nativo indígena e do povo Bantu. Esses povos têm cor, e não é branca. Prosearemos muito sobre isso no futuro, contudo é urgente frisar que esses povos têm uma cultura rica e complexa em todos sentidos e direções. Têm e não tinham, porque seguem resistindo nas suas origens em África, nas comunidades indígenas e também no legado preservado pela Umbanda “não embranquecida”. Opa, chegamos onde queria!
Só pela tez e origens ancestrais, já não caberiam mais argumentos sobre a cor da Umbanda. Mas o racismo é perverso e soturno, então é preciso esclarecer, se bem que cairia melhor “empretecer”, já que de clareamento eles entendem bem. Por tudo dito e o que não foi dito, mas é vivido nos terreiros de norte a sul do país, não há como sustentar o argumento de uma tradição branca de Umbanda.
O que temos é um antigo e ainda em curso projeto de embranquecimento da Umbanda. Note a diferença. Projeto porque gozou de objetivos e teve ações empreendidas com muito afinco e planejamento. Há quem realizasse congressos e até cartilhas para estimular o “clareamento” dos terreiros. É tão bizarro que parece mentira, né? Mas não é.
O cerne do esquema era simples, erradicar ao máximo quaisquer vestígios de uma matriz indígena ou africana da Umbanda. Suprimir aquilo que sob a ótica eurocêntrica cristã foi equivocadamente interpretado como atrasado, primitivo, rudimentar e inferior em todos os aspectos.
Então a pretensa superioridade moral e intelectual deles conseguiu no máximo elaborar um pensamento fundado na oposição entre bem e mal, luz e sombra, branco e preto e coisas do tipo. Notou a sofisticação de quem criou essa confusão toda? É daí para baixo. Mas em sociedades racistas como a nossa, gente branca, mesmo que medíocre, consegue tudo que quer, né? Privilégios. A makumba dos pretos, portanto, fazia o mal, era das sombras, sempre o outro lado da força. Eles seriam, então, a “Umbanda branca”, a do bem, da luz. Nos dias atuais algo como a makumba do “cidadão de bem”, a “boakumba”.
Devidamente pasteurizada, higienizada, agora a Umbanda é alva e límpida como um grande copo de leite a fim de nutrir um público escolhido a dedo. Referência infame, não? Mas o projeto era e segue sendo racista mesmo. É preciso ruborizar seus rostos brancos, quando a consciência não reage, o constrangimento educa.
A discussão nem a luta cessa aqui. Mas esse papo já soa como alerta para que entendamos que seguir usando o termo “Umbanda branca” fere a memória da ancestralidade, é vilipendioso, desrespeitoso e desonesto. Não podemos seguir chamando de branca uma tradição de raiz Afroindígena. E quanto a eles, como chamar? Umbanda branca? Umbranca? Penso que a ancestralidade não merece tamanha profanação violenta. Que os chamemos pelos inúmeros nomes vazios que eles cunharam para explicar suas práticas ou simplesmente pelo termo que denuncia todo esse processo que sofremos.
Que o chamemos de “Umbanda embranquecida”!
Amamos e louvamos o branco da Pemba, da bandeira de Tempo, das saias rendadas, das espumas nas ondas da Kalunga e da comida de Oxalá. Mas que a branquitude deixe a Umbanda pra lá!